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domingo, 10 de outubro de 2010

Ninguém encosta no Caveira.

"O BOPE virou uma máquina de guerra".
Quando o filme nacional que era pra ser o maior e mais famoso entre eles não alcança sucesso devido à pirataria, o que o diretor faz?

Ele faz um melhor ainda.

Esse é José Padilha, diretor e idealizador de Tropa de Elite, um dos poucos filmes nacionais que não apelam em fazer o bandido o cara bonzinho e a polícia os malvados fardados que matam inocentes. Ele fala a verdade. E se às vezes a verdade parece ser isso mesmo, ele mostra que aquilo que parece, geralmente não é.

Quinze anos depois dos eventos do primeiro filme, temos um elenco muito maduro. Um (agora) Coronel Nascimento encarando responsabilidades que nenhum outro caveira encarou; um (Capitão) Mathias que não nega quem o treinou (nem nega sangue ou headshot pra geral). Uma família Nascimento desestruturada.

"Pai, porque seu trabalho é matar?"

Nascimento encara sua missão mais difícil. Ele transforma um BOPE que só tinha uma viatura em uma máquina de guerra com 16 unidades táticas com 360 homens, blindado e helicóptero. Helicóptero muita gente tem, mas blindado e 7.62 para lutar contra o tráfico, só no Brasil. "E a SWAT?". Eles usam 9mm, 5.56, e nada de blindado, parceiro.

"Eu quebrei o tráfico no Rio de Janeiro".

Wagner Moura disse em uma entrevista que esse filme era muito melhor que o outro porque os personagens se desenvolveram mais, se tornaram mais complexos. Nada de personagem plano aqui; nada é o que parece ser. Se antes nossos Caveiras já tinham várias camadas, agora eles são tão complexos e tem tantos problemas pessoais e profissionais que eles, como nós, muitas vezes nem se entendem.

"Para alguns, a guerra é a cura. Pra mim parceiro, sempre foi assim."

Um filme sobre segurança pública deve fazer mais do que simplesmente mostrar bandido e polícia trocando tiros. Um filme de segurança pública deve mostrar porque, em primeiro lugar, esses caras estão trocando tiros. Tropa de Elite 2 vai além do que seu antecessor fez com maestria, vai além de mostrar os bastidores da tropa, vai além de mostrar que a violência vem da violência. Tropa 2 vai é na raiz, vai no fundo do sistema mostrar que a violência é lucrativa, dá voto, e é auto-sustentável. E sustenta muito mais gente do que parece. E continua mostrando que nós sustentamos a violência, sem nem perceber.

Quando um filme consegue fazer com que você fique grudado na cadeira, sentindo sensações tão diversas quanto ódio, frustração, vontade de entrar dentro da tela e "largar o aço", tristeza e empatia por personagens dos mais diferentes, você sabe que está assistindo uma obra que não é apenas mais um filmezinho nacional financiado pelo governo. Tropa 2 é um projeto audacioso, realista até o último detalhe. E prima por te fazer sair do cinema se sentindo como seus personagens, num misto de ódio, frustração, dor (Racionais MCs foi citado aqui, sem querer querendo) e vontade de sair "sentando o dedo" em muito marginal por aí. Mas ao mesmo tempo, Tropa faz o que seu antecessor não fez: mostra que isso não resolve nada. Mostra que matar marginal, colocar na cadeia, etc e tal, não vai resolver os problemas. Porque os problemas estão mais em cima. Porque "o inimigo agora é outro".

Quem faz a violência e lucra com a violência não é só vagabundo. É gente inteligente, gente que se elege deputado, policial safado e muitos outros que achamos que estão ali para nos proteger. O sistema luta contra o próprio sistema. Uma cobra alimenta a outra. A segurança pública fica nas mãos e a cargo de quem lucra com a insegurança. Política é negócio.

Paz é piadinha. Isso não existe. Caveira não está ali pra manter a paz. Político nenhum tem interesse na paz. Paz não dá voto. Todo mundo quer paz e segurança, mas se esse mundo mágico é realizado, quem vai lembrar dos caras que tornaram isso realidade? É melhor ter violência, porque aí quando ocorre uma operação (quem se importa se foi necessária ou não) todos ficam sabendo e aprovam os políticos que a organizaram e os policiais que a executaram. E isso sim dá voto. É aquela velha história: o bandido, se parar de "trabalhar", tira emprego de muita gente.

Isso quando a polícia não percebe que, sem os intermediários, dá pra lucrar muito mais. Segurança é um negócio tenso: todo mundo quer se sentir seguro, todo mundo está disposto a pagar um certo preço por isso. E aí?

"Tenho 21 anos de polícia e não sei dizer porquê matei, por quem matei, quantos matei."

E eu ainda nem falei sobre a qualidade técnica do filme. Dizer que é ultra-realista, muito bem filmado, com excelente fotografia, com atores extremamente capazes e bem preparados, dizer que o filme usou o próprio caveirão (blindado do BOPE - usaram o de verdade), com o motorista de verdade, que usaram helicóptero da polícia (da polícia Civil, mas da polícia), que 90% dos policiais mostrados no filme são policiais de verdade... dizer tudo isso seria clichê, ainda que seja tudo verdade.

Tropa 2 é um filme excelente sem levar em consideração o roteiro.

Mas e com o roteiro? E com a história? Quando esses dois elementos entram na equação, Tropa 2 deixa de ser um filme de ação e se torna uma prima obra documental, de um diretor praticamente iniciante (e que parece ignorar isso).

Exagerando, eu?

Assista e me diga você. Me diga o que você sentiu quando saiu da sala de cinema. Me diga você, como foi tomar o mais delicioso soco no estômago, como foi sair de uma sala sem saber o que dizer, sem saber o que fazer, revoltado.

Depois de 2 meses sem escrever pro Folha, sabia que não poderia deixar de falar de Tropa 2. Porque Tropa 2 não é apenas um filme. Dizer isso é desmerecer o trabalho de centenas de excelentes profissionais. Tropa 2 é um recado. É um alerta, é uma mensagem que vai levantar muita discussão sobre segurança.

E quando essa mensagem for entendida, assim como no filme, tudo vai mudar. E tudo vai permanecer exatamente a mesma coisa.


3 pessoas deram alguma opinião:

Amanda Mendonça disse...

Você conseguiu fazer eu ficar com mais vontade de ver o filme :D

13 de outubro de 2010 às 10:16
Renato Miranda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Renato Miranda disse...

kkkkkkkk, mais uma vez Rafael, muito bom seu texto.
Um fato inusitado me chamou a atenção quando vi o filme (segunda-11/10/10).
Inicialmente, cheguei no shopping as 5 da tarde e me deparei com uma fila gigantesca(nunca tinha visto igual no cinema). Felizmente encontrei conhecidos na fila e pedi para que comprasse meu ingresso.
Como consegui 'comprar' o ingresso para 2 horas mais tarde, o jeito foi ir no 'Capital' tomar uma dobradinha de choop. Depois de tomar alguns, me dirigi à sala de cinema e na porta, como estava um tanto quando eufórico por causa da babida, a moça que confere as 'carteirinhas' me disse que o Batista Pereira estava na sala 03, bem ao lado da minha(04)...kkkkkk
No início não compreendi, entretanto, assistindo o filme, imaginei que a moça me alertaria para o que viria a acontecer. Me deparei com um personagem idêntico ao nosso querido Batista. Escandaloso, a favor de 'descer o cacete em vagabundo',etc. No filme, esse apresentador(muito semelhante ao Datena também), acabou se elegendo deputado e, por mais uma vez, me recordei do amigo do Bambino,kkkk.
Nessas eleições de 2010 tivemos Batista Pereira como candidato estadual. Isso me intrigou bastante e me deixou com uma pulga atrás da orelha. Será que ele tem as mesmas ligações/semelhanças eleitorais com o personagem do filme?!

13 de outubro de 2010 às 15:31